O que é síndrome da boca ardente?
A Síndrome da Boca Ardente (SBA) é caracterizada por dor na cavidade oral com ou sem sinais inflamatórios, mas sem lesões específicas 1.
- 1 Cerchiari DP, Moricz RD, Sanjar FA et al. Síndrome da boca ardente: etiologia. Rev Bras Otorrinolaringol 2006;72(3):419-24.
A SBA é um distúrbio doloroso crônico caracterizado por queimação, picadas e/ou comichão na cavidade oral, na ausência de qualquer doença orgânica. Tem duração de pelo menos 4 a 6 meses e envolve, mais frequentemente, a língua, com ou sem extensão para os lábios e para a mucosa oral. A SBA pode ser acompanhada por disgeusia (alteração do paladar) e xerostomia (boca seca) subjetiva. Seu início é espontâneo e a síndrome tem clara predisposição em mulheres peri/pósmenopausa2.
- 2 Gurvits GE & Tan A Burning mouth syndrome. World J Gastroenterol 2013 February 7; 19(5): 665-67
Supõe-se que sua etiologia seja multifatorial, envolvendo vários fatores locais, sistêmicos e/ou psicogênicos. Gênero feminino, perimenopausa, depressão e ansiedade, doença de Parkinson e doenças crônicas, incluindo doenças gastrointestinais e urogenitais, são fatores de risco para o seu desenvolvimento. A SBA é uma condição clínica importante com sintomas muito incômodos, e com impacto direto e indireto na qualidade de vida, que frequentemente sobrecarrega o paciente e o sistema de saúde. Consultas clínicas com um gastroenterologista são comuns no dia a dia desses pacientes2.
Quem pode ser afetado pela síndrome da boca ardente?
Na Finlândia, cerca 15% da população adulta queixa-se de sintomas de boca ardente embora metade destes tenham lesões visíveis na mucosa oral. Na Suécia 3,7% dos indivíduos foram diagnosticados com SBA após relatarem sintomas de queimação na boca e de serem submetidos a subsequente exame físico. Nos Estados Unidos esta incidência varia de 0.7% a 10%.
Mais recentemente, um grande estudo retrospectivo de cerca de 3000 pacientes brasileiros encaminhados para um serviço de patologia oral, relatou uma prevalência de cerca de 1%. Estes dados demonstram que a doença é uma importante condição clínica que pode ser frequentemente encontrada na prática médica diária. A SBA tem uma clara predisposição por gênero e idade.
As mulheres são 2,5 a 7 vezes mais afetadas que os homens. Além disso, mais de 90% das pacientes com SBA são mulheres no período perimenopausa, com início típico de 3 anos antes a 12 anos depois do início da menopausa. A SBA pode afetar qualquer grupo etário, com a idade dos pacientes variando de 27 a 87 anos, e uma média relatada de 67 anos.
Análise recente revelou uma probabilidade aumentada de doença gastrointestinal e urogenital em pacientes com SBA. Os pacientes com SBA apresentam história de ingestão de medicamentos para doenças gástricas estatisticamente maior do que a população em geral2.
Quais são os tipos da síndrome da boca ardente?
A SBA costuma ser dividida em três tipos:
- Tipo 1 (35%), caracterizada por dor diária, com ausência de dor pela manhã, piora no decorrer do dia e sintomas variáveis à noite, sem associação com alterações psiquiátricas. Ocorre mais em deficiências nutricionais e diabete.
- Tipo 2 (55%), dor constante, desde o acordar e ausência de sintomas à noite. Estas pessoas frequentemente têm alto grau de ansiedade.
- Tipo 3 (10%), dor intermitente, intercalado por dias livres de dor e sintomas, que ocorre em locais não-usuais como assoalho da boca e parede posterior da orofaringe, existindo relação da dor com o tipo de alimento ingerido e alérgenos.
Qual a causa da síndrome da boca ardente?
A exata etiologia da SBA permanece imprecisa e é provavelmente multifatorial, incluindo causas neuropsiquiátricas, endócrinas, imunológicas, nutricionais, infecciosas e iatrogênicas. Depressão ou ansiedade ocorrem em mais de 50% dos pacientes.
Como descrito previamente, a SBA afeta mais comumente mulheres perimenopausa, um achado que é atribuído ao ressecamento das membranas mucosas, decorrente da redução dos níveis hormônios relacionados à idade, e a uma frequência aumentada de distúrbios psicológicos nas mulheres de meia idade e idosas. Existem, também, evidências de etiologia imunológica.
Reações alérgicas a determinados alimentos têm sido demonstradas em pessoas com SBA. O lauril sulfato de sódio, um detergente de cremes dentais conhecidos por causar boca seca, pode estar, também, envolvido no desenvolvimento da SBA. Finalmente, doenças autoimunes do tecido conjuntivo, como síndrome de Sjogren e lupus eritematoso sistêmico, estão também associadas com SBA.
A SBA tem sido ainda relacionada a deficiências nutricionais, incluindo vitaminas do complexo B e ácido fólico. Mais recentemente, deficiência de zinco tem demonstrado ser uma possível causa de SBA. Determinadas infecções orais também têm sido implicadas na SBA, particularmente candidíase. Algumas drogas usadas para hipertensão arterial (inibidores da ECA e os bloqueadores dos receptores da angiotensina) podem desencadear o desenvolvimento da SBA.
Nevirapina e efavirenz também têm sido implicados como causas de SBA por mecanismos desconhecidos. A levodopa pode ter um papel no desenvolvimento da SBA em pacientes com doença de Parkinson. Finalmente, há relato de caso de topiramato causando sintomas tipo queimação oral, com resolução dos sintomas após descontinuação do medicamento.
A etiologia da SBA, então, é de difícil diagnóstico, podendo haver mais de um fator etiológico. Os pacientes procuram auxílio de diversos especialistas, dentre eles o odontologista, otorrinolaringologista, dermatologista e fazem uso de vários tipos de medicamentos, sendo os mais usados: corticóides, analgésicos, antibióticos, estrogênio, retinóides e psicotrópicos.
A realização de avaliação com seu médico de confiança, é de fundamental importância, para evitar que o tratamento de pessoas com esta síndrome seja baseado em tentativa e erro.
Quais são os sintomas da síndrome da boca ardente?
Uma pessoa típica com SBA é mulher na peri ou pós-menopausa com várias comorbidades clínicas, que se queixa da tríade clássica: dor na boca por mais de 4-6 meses, alterações do paladar e alterações da salivação, sem lesões na boca.
A dor é do tipo queimação, de intensidade moderada a acentuada, podendo persistir por anos, acometendo principalmente as bordas laterais e ponta da língua. Pode haver também sensação dolorosa em gengivas, lábios e mucosa jugal.
Há piora da intensidade dolorosa no decorrer do dia, nos estados de tensão, fadiga, ao falar muito, à ingestão de alimentos picantes e quentes, e ocorre melhora com alimentos frios, trabalho e distração.
Pode ter havido procedimento dentário prévio, início de medicamentos ou outras doenças. Finalmente, hábitos como morder os lábios e as bochechas, bruxismo, ranger e cerrar os dentes, interposição lingual e lamber os lábios são observados na SBA.
Como é diagnosticada a síndrome da boca ardente?
A pessoa com queixas compatíveis com SBA deverá procurar seu médico de confiança. O diagnóstico é difícil e será baseado nas queixas clínicas, exame cuidadoso e realização de exames laboratoriais, para afastar alguma causa orgânica que possa ser responsável pelos sintomas.
Assim sendo, a pessoa com possível SBA deverá relatar ao seu médico o tipo da dor, a sua duração, intensidade (escala de 1 a 10), local, fatores de melhora e piora. Informar também sobre salivação abundante ou ocorrência de boca seca bem como alterações na gustação; uso de anti-sépticos orais, tipo de pasta dentária, hábitos como uso de goma de mascar, cigarro, bebida alcoólica; se há relação da dor com o uso de aparelho dentário, prótese ou comportamentos parafuncionais (bruxismo, compressão da língua contra os dentes); alterações recentes do humor, de hábitos dietéticos, história de procedimentos dentários, deficiências nutricionais e mudanças de medicamentos.
A seguir o médico realizará um exame detalhado da cavidade oral, incluindo inspeção dentária e solicitará exames laboratoriais, conforme a necessidade, para avaliação hematológica de deficiências nutricionais, níveis de glicose sérica, marcadores autoimunes, concentrações de estrógeno e progesterona, e testes cutâneos para alergias. Outros estudos podem ser necessários como culturas e citologias da cavidade oral na tentativa de diagnosticar origem bacteriana ou fúngica para os sintomas.
Como é tratada a síndrome da boca ardente?
Somente o médico está apto a indicar a melhor estratégia de tratamento.
O tratamento dependerá do tipo de SBA apresentado pela pessoa. A meta na SBA secundária deve ser dirigida para o tratamento do fator causal local (também deve haver avaliação do dentista para melhor conduta da conservação dentária, prótese e aparelho dentário) ou da doença sistêmica que a ocasiona (diabete por exemplo) e a suspensão de medicamentos suspeitos (como os inibidores da ECA). Este tratamento direcionado para a a origem da SBA leva, tipicamente, a uma boa resposta.
A cura da SBA primária, no entanto, permanece indefinida, a despeito das tentativas com vários tipos de medicamentos. A resposta variável ao tratamento clínico é, provavelmente, devida aos múltiplos mecanismos que originam a SBA idiopática. As estratégias estudadas incluem benzodiazepínicos, antidepressivos, capsaicina tópica, ácido alfalipóico, reposição hormonal, anticonvulsivantes, técnicas de biofeedback para modificar hábitos parafuncionais.
Pessoas que apresentam alterações psicológicas devem procurar um psiquiatra que pesquisará relação entre o aparecimento dos sintomas e fatos ocorridos na época, como situação de estresse intensa, perda de ente querido, medo de câncer, etc.
Pontos para lembrar
- A SBA é um distúrbio doloroso crônico intraoral relativamente comum, classicamente caracterizado por queimação intratável, que pode estar associada com distúrbio do gosto e boca seca.
- A SBA permanece uma condição clínica importante que, com frequência, causa transtorno significativo para a pessoa e para o sistema de saúde, e que requer reconhecimento e tratamento cuidadoso.
- A causa da SBA é multifatorial, e a forma dependente de outra causa (diabete, distúrbios nutricionais, medicamentos, etc.) deve ser diligentemente pesquisada e tratada.
- O tratamento é mais efetivo quando é afastada uma causa conhecida (SBA secundária), porém de mais difícil tratamento quando de origem psicosocial. Abordagem por vários especialistas, incluindo tratamento clínico e psicosocial, pode ser efetiva no alívio dos sintomas desses pacientes.